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Curado, M.T., 2000, "Gerir para o 3.º Milénio:
SA8000 - Da Qualidade Total à Qualidade Social", Seminário
sobre Redução de Custos de Construção, Sinduscon-PR
- Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.
Gerir para o 3.º Milénio:
Miguel Torres Curado
"Injustiça em qualquer lado é uma ameaça à justiça em todo o lado." Martin Luther King Jr., 1963
A nível global, no decorrer das últimas, décadas sucessivas vagas de requisitos têm atingido as práticas de gestão. As empresas adaptaram-se, ou estão a tentar adaptar-se a normas de gestão da qualidade e gestão ambiental e a legislação, normas e regulamentação no campo da segurança e saúde laboral. A publicação da norma SA 8000, dedicada à "Responsabilidade Social" é um presságio de eventos mais vastos. As questões sociais e éticas assumem crescente importância e têm de ser adequadamente abordadas pelas empresas no futuro próximo. Para o meio empresarial a demonstração de responsabilidade social e ética está a emergir como um instrumento básico para responder às exigências de mais transparência e informação formuladas por diversas partes com interesses directos ou indirectos. A era da qualidade do produto está a dar lugar à da qualidade do produtor. Em consequência desta tendência existem já diversas organizações acreditadas para efectuar auditorias no âmbito da norma SA8000, bem como um crescente número de empresas que receberam certificação SA8000. Neste momento importa alargar o conhecimento das questões levantadas pela SA8000 e discutir a atitude perante (mais) um movimento em direcção à certificação, à luz das experiências ambivalentes como normas como as das séries ISO9000 e ISO14000. 1 - Introdução
Cerca de 300.000 crianças trabalham ilegalmente nos Estados Unidos, algumas ligadas a empresas de prestígio como Heinz, J.C.Penny, Sears, Wal-Mart e Campbell. A lista de infracções é longa, crianças podem ser encontradas em estaleiros de obra em Nova Iorque ou nas vindimas na Califórnia. O trabalho infantil tem trazido às empresas americanas um benefício anual estimado em 137 milhões de Euros. Estes dados foram revelados num estudo conduzido pela Associated Press (AP et Kruse, 1998), que teve consequências sísmicas no mundo empresarial americano. Como todo sabemos problemas similares podem ser encontrados no nosso lado do Atlântico, de Lisboa a Vladivostok (vide e.g. OIT, 1998). Contudo o trabalho infantil não é mais que um exemplo entre muitos de práticas empresariais não éticas. Através do mundo ocidental tais problemas têm sido regularmente descartados como pragas de países do 3.º mundo, mas uma nova consciência de ética empresarial está a emergir que reconhece a verdadeira extensão dos problemas existentes. Hoje em dia, com cada vez mais frequência, as empresas estão sujeitas ao escrutínio de governos, clientes, sindicatos, grupos de defesa de direitos humanos, comunidades locais e outros partes interessadas, para demonstrarem que as suas actividades são conduzidas de uma forma social e eticamente aceitável. A noção de ‘responsabilidade social’ não é nova. Organizações internacionais, grupos de pressão, organizações laborais e legisladores há muito que tentam eliminar injustiças no local de trabalho. O trabalho infantil e o trabalho forçado continuam a ser questões pivot em muitas áreas do mundo. A maioria de nós compra bens manufacturados em condições que jamais admitiríamos. Trabalho ilegal e práticas discriminatórias só ainda comuns, mesmo nos ‘países desenvolvidos’. Diversas iniciativas têm vindo a ser desenvolvidas para alcançar melhorias na conduta ética das empresas, entre as mais relevantes contam-se:
À semelhança das séries ISO14000 e ISO9000 (as normas internacionais para gestão ambiental e da qualidade, respectivamente) a SA8000 foi formulada para permitir auditorias e certificação por uma terceira parte. No entanto, e ao invés das séries ISO9000 e ISO14000, esta nova norma abarca não somente requisitos sistémicos, mas também critérios tangíveis de desempenho. Um esquema de certificação e acreditação SA8000 foi estabelecido, afim de providenciar uma solução com um foco empresarial, e utilizando auditores independentes, tentar atingir a credibilidade ausente de outras iniciativas neste campo. Os princípios da SA8000 pretendem ter um efeito de cadeia de valor, sendo utilizados internamente dentro da empresa, mas sendo também uma ferramenta para gerir fornecedores. Ou seja mais uma componente do cada vez mais complexo conceito de qualidade. Numa era dominada pelos meios de comunicação,
a imagem pública tornou-se numa preocupação diária.
Num tal contexto, para muitas empresas, simplesmente ter um comportamento
ético já não é suficiente, é necessários
que esse comportamento seja visto. Assim, certificação SA8000
pretende provar publicamente que a empresa está a fazer as coisas
certas da maneira certa.
2 - De onde vem a SA8000?
A SA8000 é o resultado de 4 anos de trabalho promovidos pela Agência de Acreditação do Conselho de Prioridades Económicas (CEPPA), uma agência do Conselho de Prioridades Económicas (CEP). O CEP é uma organização não-governamental dedicada à responsabilidade e qualidade social, estabelecida em 1969 e baseada em Nova Iorque. O painel consultivo envolvido na redacção da norma acolheu representantes dum vasto espectro de organizações, incluindo empresas de manufactura e serviços, instituições financeiras, universidades, organizações de consumidores, sindicatos e outras organizações não-governamentais. Entre outros: Toys "R" Us, Avon, OTTO-Versand, KPMG, Body Shop, Amnistia Internacional, Comité Nacional para o Trabalho Infantil, Sainsbury’s, Universidade do Texas, Federação Belga de Trabalhadores, Abrinq, Federação Internacional de Trabalhadores Têxteis e Curtumes, Eileen Fisher, Grupo M.S.A., Amalgamated Bank, Reebok e SGS-ICS. O desenvolvimento da SA8000 não foi um projecto governamental ou sectorial, e alegadamente esforços for dispensados para que o processo não fosse dominado por qualquer grupo de interesses, mas é óbvio que o painel é dominado por representante do meio empresarial e financeiro. O objectivo nominal do CEPPA era produzir uma norma internacional, auditável, para empresas socialmente responsáveis. A norma reflecte as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e a convenção da ONU sobre direitos da criança. A norma exige conformidade com as leis nacionais (ou outras aplicáveis), regulamentação e outros requisitos subscritos pela empresa. A norma é destinada a ser empregue em países em qualquer degrau de desenvolvimento, em organizações de todas as dimensões e sectores, qualquer que seja a sua forma (pública, privada, etc.) e quer tenha ou não fins lucrativos. A SA8000 aspira encorajar as empresas e outras organizações a implementar, manter e melhorar a qualidade social das práticas no local de trabalho em todas as áreas que podem controlar ou afectar. Um número significativo de organizações introduziu ‘códigos de conduta’, mas na maioria dos casos são algo subjectivos e difíceis de auditar. A SA8000 é inspirada na ISO9001 e em consequência concebida para facultar auditorias O CEPAA assumiu também o papel de agência
de acreditadora, providenciando acreditação a entidades certificadoras.
As três maiores entidade acreditadoras a nível mundial, SGS-ICS,
DNV e BVQI estão já acreditadas para a SA8000. O primeiro
certificado SA8000 foi conferido em Junho de 1998 à Avon, um grande
número de empresas já lhe seguiu o exemplo. Na frente da
consultoria e formação multiplicam-se as empresas a oferecer
serviços relacionados com a SA8000 e a qualidade social.
3 - O que é abrangido pela SA8000?
A SA8000 foi desenvolvida para promover a causa da qualidade social entre as empresas. É um documento em quatro partes.As três primeiras dizem respeito ao âmbito, interpretação e definições. A quarta enumera requisitos mínimos respeitantes a: trabalho infantil, trabalho forçado, saúde e segurança, liberdade de associação e negociação colectiva, discriminação, práticas disciplinares, horário laboral e remuneração. Estes requisitos são resumidos abaixo. A qualidade do produto ou serviço produzido pela
empresa sai for a dos requisitos da norma. O produto ou serviço
pode ser medíocre, mas se foi produzido numa organização
com certificação SA8000, teoricamente regras básicas
de qualidade social terão sido honradas.
3.1 - Trabalho infantil O trabalho infantil é interdito pela norma, apenas
com as excepções contempladas na convenção
138 e na recomendação 146 da OIT. Requisitos são estabelecidos
quanto a idade mínima (15), horas de trabalho, jovens trabalhadores
(aqueles com menos de 18 anos), frequência escolar, condições
escolares e auxílio a crianças.
Figura 1: Índia – trabalho infantil (construção)
3.2 - Trabalho forçado O uso ou apoio ao uso de trabalho prestado involuntariamente
ou sob ameaça de penalidade não é permitido pela norma,
ao abrigo das convenções 29 e 105 da OIT. A prática
frequente de controlar os trabalhadores sequestrando os seus documentos
(e.g. passaportes, autorizações de trabalho) é também
interdita. Como em documentos anteriores poucos detalhes úteis são
fornecidos para suportar este requisito. A ainda relevante questão
do trabalho escravo, e do tráfico de escravos não é
explicitamente mencionada.
Figura 2: Mauritânia - Trabalhador escravo
3.3 - Saúde e segurança laboral A norma impõe a nomeação pela empresa de um responsável pela saúde e segurança de todo o pessoal. Este responsável terá a senioridade adequada e será incumbido da implementação das clausulas de saúde e segurança da norma. A SA8000 estabelece requisitos relativos a: ambiente de
trabalho seguro e saudável, detecção de riscos, prevenção
de acidentes e danos corporais, formação regular em saúde
e segurança, instalações sanitárias de apoio
e acesso a água potável.
Figura 3: Portugal - Acidente em estaleiro
3.4 - Liberdade de associação e direito à negociação colectiva A SA8000 prevê que direito do pessoal a criar e a tornar-se membro dos sindicatos da sua escolha deve ser respeitado pelo empregador, de acordo com a convenção 87 da OIT. A empresa deve ainda permitir a negociação colectiva. Nos países em que as leis locais afectem estes direitos, a empresa deve tentar encontrar ‘meios paralelos’ de os aplicar. Seguindo a convenção 135 da OIT a norma protege os representantes dos trabalhadores, permitindo-lhes livre acesso aos restantes trabalhadores e impedindo a sua discriminação. Como em documentos anteriores a norma é omissa
quanto ao direito à greve.
Figura 4: Coreia do Sul – Manifestação em prol de direitos sindicais
3.5 - Discriminação Adoptando as convenções 100 e 111 da OIT, a SA8000 não permite discriminação na contratação, remuneração, acesso a formação, promoção, despedimento e reforma com base em:
3.6 - Práticas Disciplinares As empresas agindo em conformidade com a SA8000 não podem usar ou apoiar o uso de castigos corporais, coerção mental ou física bem como abuso verbal. Mais uma vez o requisito é vago e sujeito a múltiplas interpretações. Áreas como o abuso mental e verbal têm de ser mais detalhadas para se tornarem auditaveis. Muitas outras práticas injustas ficam por abordar na norma (e.g. privação de trabalho, redução da qualidade das condições de trabalho, isolamento, etc.)
Figure 5: Brunei - Punição corporal exemplificada num manequim. Conformidade com as leis aplicáveis e normas sectoriais é exigida pela SA8000. O horário laboral não deve ser superior a 48 horas semanais numa base regular, e nunca superior a 60 horas. Horas extraordinárias devem ocorrer apenas a título excepcional e numa base voluntária. Os trabalhadores devem ter pelo menos um dia de descanso em cada sete. 3.8 - Remuneração
A remuneração dos trabalhadores deve não só obedecer aos mínimos legais e sectoriais, mas satisfazer as necessidades básicas e proporcionar algum rendimento discricionário, Não são permitidas deduções disciplinares. Informação regular e detalha sobre salários e benefícios deve ser proporcionada aos trabalhadores. A norma não admite falsos esquemas de aprendizagem ou outras tentativas para circundar leis laborais, regulamentação de segurança social ou outra regulamentação. 3.9 - Sistemas de Gestão
Assumindo um postura semelhante à ISO9001, baseada na responsabilidade empresarial, controlo, e melhoria contínua, a SA8000 requer que a direcção da empresa actue nas seguintes áreas:
4 - Argumentos a favor da certificação SA8000 Tanto as empresas como o público em geral enfrentam um desafio quando pretendem utilizar fornecedores com práticas adequadas de gestão da qualidade social. Antes da SA8000 não estava disponível uma norma contra a qual as empresas pudessem ser avaliadas. Teoricamente a certificação SA8000 providencia a garantia de que os bens ou serviços são o resultado de um conjunto comummente aceite de valores sociais. Contudo, qualquer que seja a linguagem utilizada, a verdade é que a certificação S8000 está a ser vendida como um produto de aparência e reputação, para numerosas indústrias com uma imagem algo degradada. Consequentemente o primeiro benefício a ser considerado pelas empresas será uma melhoria na percepção pública das suas actividades, resultando e melhor posicionamento no mercado, redução de conflitualidade, etc. Naturalmente que para as empresas socialmente responsáveis a SA8000 permitirá criar uma demarcação em relação aos sues competidores que não cumpram a norma. Espera-se que práticas enraizadas, como o trabalho infantil, sofram reduções em resultado da implementação da SA8000. A SA8000 é um instrumento para fechar a brecha entre as empresas e o valores em constante evolução da sociedade. Através da auditoria de questões humanas, por oposição a questões financeiras ou técnicas, a certificação SA8000 procura materializar a qualidade social. Nos dias que correm as empresas são cada vez mais pressionadas para dedicar os seus esforços a práticas laborais legais e socialmente correctas, extensivas às suas escolhas de aprovisionamento. A velocidade do impacto dos media significa que as empresas necessitam de ser mais flexíveis e transparentes, conquanto problemas numa só instalação ou com um só fornecedor podem acarretar consequências severas para toda a empresa. Mesmo as empresas socialmente mais responsáveis podem sentir a necessidade de demonstrar publicamente o seu empenho nos valores humanos básicos, após eventos serem ampliados fora das suas proporções pelos media. Veja-se as complicações que declarações sobre a homossexualidade trouxeram ao Banco da Escócia e à Laura Ashley. A SA8000, e o esquema de certificação a ela associado pretendem aliviar as organizações clientes de terem de conceber individualmente requisitos de gestão da qualidade social para os seus fornecedores e de os auditar regularmente. As organizações por detrás da certificação SA8000 esperam que estes benefícios tragam significativas poupanças, compensando o custo associado à certificação. 5 - Custos da SA8000 para a empresa Os custos de implementar os requisitos da SA8000 e obter a certificação estão intimamente ligados à dimensão e complexidade da empresa, o tipo e localização das instalações bem como o que já foi atingido anteriormente em termos de gestão da qualidade social. Os custos enquadrar-se-ão em quatro categorias principais:
As bem actuais experiências mistas na aplicação de normas como a ISO9001 devem domar qualquer tentação de euforia em relação a uma iniciativa como a SA8000. A sobriedade tem de prevalecer. Estamos no início de um longo processo, e já diversas questões se levantam. Devemos começar por interrogar a maneira como a norma foi redigida. A SA8000 foi apresentada como uma norma consensual, mas ao contrário das normas ISO, o processo de inquérito público foi pouco significativo e pouca informação foi disponibilizada durante o processo de redacção. A questão ética deve ser também levanta quanto à aplicação da norma: deve uma empresa ser auditada por outra entidade comercial sobre o seu desempenho ético? Para agravar a situação não existe ainda publicada uma norma sobre auditoria da gestão da qualidade social. O sistema de auditorias pode camuflar infracções e servir para lograr as partes interessadas. Para alcançar a certificação a empresa não tem de satisfazer todos os requisitos de imediato. Na realidade cada instalação da empresa pode melhorar gradualmente as suas práticas e documentar o progresso alcançado na resolução de inconformidades. O progresso atingido é avaliado não por entidades totalmente independentes, mas por auditores pagos pela própria empresa. Grupos de pressão da confiança dos trabalhadores podem, mas não têm de ser ouvidos pela entidade certificadora. Trabalho feito em casa sai do âmbito das auditorias. Para além do mais se inconformidades forem detectadas, podem manter-se confidenciais. Isto pode ser empregue para induzir em erro os consumidores, transformando a SA8000 em não mais que uma mudança cosmética. Adicionalmente, no âmago da gestão da qualidade social reside a questão de o que significa ética empresarial. Frequentemente a interpretação é feita em termos de valores ocidentais, que podem não ser adequados a nível global. Requisitos escritos do ponto de vista de uma cultura ocidental individualista podem revelar-se inadequados em culturas orientais onde o grupo é mais importante que o indivíduo. Por exemplo, nalguns países mandar para casa crianças trabalhadoras pode privar toda uma geração de formação profissional, já que esquemas de educação formal não existem. A SA8000 pode ser um instrumento eficaz para liderar melhorias na qualidade social nas empresas a nível mundial. De facto, os clientes poderão exercer um poder real sobre a forma como as empresas conduzem a sua actividade. Mas existe algum grau de incongruência entre estabelecer uma lista de práticas éticas globais e trabalhar com a delicada estrutura económica global. Por exemplo o recente caos económico na Ásia, Rússia e Brasil, demonstrou quão interdependente e frágil a estrutura financeira do planeta é. Portanto, na ausência de uma estratégia e estrutura global coerente, haverá grandes variações regionais na maneira como a qualidade social é encarda e nos critérios de desempenho. Finalmente, e por definição, qualidade social
não pode ser limitada aos trabalhadores, ela abrange também
as comunidades afectadas pela actividade da empresa. Os requisitos da norma
são muito focados no trabalhador, deixando as portas abertas para
má prática grosseira no que diz respeito à comunidade.
7 - A sua empresa necessita da SA8000? No presente ambiente empresarial a questão que se levanta não é tanto se se devem adoptar políticas éticas, mas mais como o fazer eficazmente. À semelhança do sucedido com outras normas de gestão antes desta, consultores e certificadores podem ser vistos a promover a SA8000 como o elixir que resolverá todas as questões de qualidade social no seio da empresa. Mas será a certificação SA8000 a melhor maneira de encarar estas questões? Por certo que se a imagem pública é preocupação fundamental para a empresa, a SA8000 pode mostrar-se muito relevante. Em situações específicas as empresas podem optar por desenvolver os seus próprios códigos de conduta, adoptar códigos sectoriais, o escolher iniciativas como as enumeradas no início deste artigo. Conquanto estamos num estágio muito incipiente do desenvolvimento de práticas de gestão da qualidade social, novos desenvolvimentos estão a ocorrer diariamente e é difícil prever o caminho por percorrer, e existe mesmo o risco de a certificação SA8000 se revelar contraproducente se a reputação da norma for seriamente questionada. 8 - Um horizonte mais vasto: Desenvolvimento sustentado As preocupações de qualidade social não devem ser vistas como um esforço isolado, mas sim integradas na estrutura mais vasta do desenvolvimento sustentado. A atenção generalizada dada à sustentabilidade é um fenómeno recente. A tendência iniciou-se na Alemanha nos anos 30 com leis inovadoras de protecção ambiental. A expansão económica do pós guerra aliada à demonização do III Reich relegaram esse esforço para os arquivos históricos. Somente nos anos 60 surgiu uma percepção da crise ambiental enfrentada pelo planeta. Os dez anos seguintes foram marcados por uma atitude que encarava o crescimento e o desenvolvimento como incompatíveis com a preservação ambiental (vide e.g. Ehrlich et al., 1970). Após a 1.ª Cimeira da Terra uma mudança gradual ocorreu, e na década de 80 a sombra negra do ‘crescimento zero’ deu lugar à alvorada do ‘desenvolvimento sustentado’. Este conceito foi definido no relatório Brundtland (Brundtland, 1991) como desenvolvimento que assegura as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidade. A 2.ª Cimeira da Terra consagrou o desenvolvimento sustentado na ‘Declaração do Rio sobre ambiente e desenvolvimento’ e na ‘Agenda XXI’. Nestes dias de fecho do século XX o desenvolvimento
sustentado tornou-se geralmente aceite como uma quase santa trindade composta
de protecção ambiental, desenvolvimento económico
e desenvolvimento social.
Gerir para a sustentabilidade deve integrar esforços nestas três áreas. Sinergias serão obtidas da escolha de uma estratégia de gestão que aborde as questões cerne da sustentabilidade e não desperdice recursos em acções fragmentadas com o fim de agradar a grupos de pressão específicos. Por vezes a necessidade de a empresa ser vista publicamente a tomar acções numa destas áreas pode levar à criação de sistemas isolados e desconexos que se tornam em pesados fardos para a empresa. A qualidade social é susceptível de se tornar
num critério de desempenho essencial para vencer nos mercados mais
competitivos. Se a qualidade social da maneira como é encarda na
SA8000 vai ser outra moda rapidamente adoptada pelas empresas ainda está
para ser visto. Afinal a história recente tem revelado uma constante
mudança de ênfase nas práticas de gestão, como
ilustra a figura 7. Por certo que afim de se manterem a par do conhecimento
actual e devido à concorrência, muitas empresas seguirão
o caminho destas novas ideias. Eventualmente se o seu sucesso for comprovado
podem tornar-se tópicos imperativos na agenda empresarial, ou em
caso de falhanço passar ao caixote do lixo da história como
mais um chavão inútil.
Embora alguns consultores consigam persuadir a maioria das audiências de que as normas são uma dádiva divina para a gestão, outras abordagens são viáveis. Soluções para a qualidade social não devem ser tomadas apenas pelo seu valor facial. A relevância de cada abordagem não pode ser julgada per se, mas somente no contexto de cada empresa e do seu ambiente. Cada abordagem pode ter o seu papel na implementação da qualidade social, desde que as suas limitações e as repercussões de atitudes reducionistas sejam inteiramente reconhecidas. Contudo o caminho escolhido pode servir melhor os interesses da empresa de consultores que vende esse serviço, que os interesses da empresa onde é seguido. Referências
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