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Curado, M. T.; Dias, L.M. (1995), "Qualidade nas Empresas
de Construção, Marketing ou Realidade?", in Revista Portuguesa
de Gestão, vol. n n.ºII/III-95, pp. 95-103, Lisboa, ISCTE.
Qualidade nas Empresas de Construção, Marketing ou Realidade? Docente do IST. Investigador da Universidade de Salford.
Luís Alves Dias Professor do IST.
No presente artigo pretende-se analisar o actual estado de implantação
de sistemas de qualidade nas empresas de construção em Portugal,
através de inquérito nacional recentemente lançado.
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Figura 2: Distribuição de Empresas de Construção
por Volume de Negócios1
Este inquérito abrangeu empresas sediadas não só no território continental, como ainda nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Sendo a empresa a unidade estatística deste inquérito, ele foi dirigido ao gestor da qualidade da empresa ou, na sua inexistência, à direcção desta, com recolha do nome da empresa, bem como do nome e cargo da pessoa que responde ao inquérito.
A população que interessa este estudo não abrange organizações de cariz não empresarial que desenvolvam também actividade de construção, nem empresas cuja actividade principal não é a construção, embora tenham trabalhos neste sector.
Assim, o inquérito aos sistemas de qualidade nas empresas de construção foi enviado à totalidade dos membros da Associação de Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS), em posse dos seus direitos à data da distribuição, aos membros da Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas (ANEOP) e às empresas utilizadas na fase de validação a seguir referida.
Deste modo, na reunião destes três conjuntos compreende-se um total de cerca de 2 900 empresas, que constitui a população alvo deste inquérito.
Dado que este conjunto de empresas corresponde a uma elevada proporção da população (32%), apresentando grande dispersão geográfica, bem como a grande variedade ao nível do volume de negócios e actividades2, esta foi assimilada para efeitos dos cálculos subsequentes a uma amostra aleatória.
A validação foi efectuada através da distribuição do inquérito a 20 empresas, com recolha de respostas e de sugestões, e com a subsequente introdução de algumas alterações ao questionário e à carta introdutória.
Este processo foi acompanhado de entrevistas quer com quadros ligados a empresas de construção quer com especialistas e investigadores nestas temáticas.
Procurou-se que o questionário apresentasse uma forma gráfica tão ligeira quanto possível.
No questionário, após a identificação da empresa e da pessoa que responde ao inquérito, segue-se um conjunto questões, que se debruçam sobre:
Após uma primeira análise, foram excluídas 21 empresas, por incoerência das respostas; por não serem sociedades anónimas ou por quotas ou por não estarem constituídas como sociedades em Portugal. Consideraram-se, assim, no estudo efectuado 232 empresas, sendo 49 sociedades anónimas e 183 por quotas.
Para este estudo, agruparam-se as empresas em função do seu volume de negócios3 nos escalões constantes da Figura 2, ou seja:
Uma vez que tanto a população como a população alvo são maioritariamente constituídas por essas empresas de pequena dimensão, em termos gerais, a percentagem de respostas foi baixa. Assim, foi de 8% em relação à população alvo (2 900 empresas) e de 3% em relação à população (8 960 empresas), embora correspondendo a cerca de 22% do volume de negócios do sector.
Após a recepção das respostas, procurou-se averiguar junto de empresas que não responderam as razões de tal atitude. Para este efeito, foram efectuados contactos, que abrangeram a totalidade dos não respondentes do grupo 3 (5 empresas) bem como 10 empresas de cada um dos outros dois grupos, seleccionadas de forma aleatória.
No grupo 3, as razões de não resposta dividiram-se entre 3 motivos:
b) A empresa não tem conhecimento completo da temática em questão (dois casos);
c) A empresa encontra-se em reestruturação (dois casos).
Quanto ao grupo 1 verificou-se que 9 das empresas indicaram o motivo b, para justificar a não resposta, e apenas uma o motivo c.
A reduzida percentagem de respostas entre as pequenas empresas pode denotar uma amostra enviesada neste grupo, conquanto boa parte das respostas terão vindo de empresas com alguns conhecimentos anteriores neste campo. Assim, a maioria das pequenas empresas, ainda pouco sensibilizadas para as questões da qualidade não responderam ao inquérito. Para além do mais, a proporção de pequenas empresas na população (98%) é superior à proporção na amostra obtida (74%). Em face desta situação, os resultados para este grupo e os resultados agregados deverão ser encarados com algum cuidado.
Como se constata da observação do Quadro 1, do conjunto
da amostra, 46%6 das empresas não possuíam sistemas
de gestão de qualidade, nem os tinham nos seus planos para os próximos
anos.
Quadro 1: Estado Actual Relativamente aos Sistemas de Qualidade
Note-se que este valor resulta, em primeiro lugar, das respostas dadas pelas empresas de pequena dimensão. Entre as empresas de média dimensão, apenas 23% se encontravam nesta situação. Quanto às empresas de grande dimensão, todas estão empenhadas ou interessadas em desenvolver sistemas de qualidade, sendo que 63% delas já dispõem ou estão a implantar estes sistemas.
Pode observar-se também que, em termos globais, o número de sistemas de qualidade já operacionais é ainda reduzido (4%). Os sistemas de qualidade existentes são em geral muito "jovens", sendo que em apenas 22% dos casos esses sistemas têm mais de três anos. No entanto, bastante trabalho está a decorrer na implantação de novos sistemas (17%).
As empresas que não planeiam a implantação de sistemas de qualidade não são incluídas nas questões seguintes, limitando-se nessas questões a análise a um conjunto de 126 empresas.
No Quadro 2, as respostas relativas às razões que conduzem
as empresas à implementação de sistemas de qualidade
são apresentadas. A obtenção de vantagens competitivas
no mercado surge como a razão mais frequente, indicada em 81% dos
casos (numa questão que possibilitava resposta múltipla).
A obtenção de reduções de custos e a eliminação
de problemas de qualidade existentes são também considerados
factores importantes.
Quadro 2: Razões para a Implementação de Sistemas
de Qualidade
Como se pode constatar, a pressão dos clientes não é ainda um factor decisivo para a implantação de sistemas de qualidade - apesar de a melhoria no relacionamento com os clientes, ser a mais citada vantagem obtida da implantação dos sistemas de qualidade. A nível europeu a certificação voluntária é ainda rara entre as empresas de construção (vide FIEC, 1994), ao contrário do que se verifica em Portugal. A pressão dos clientes fica mesmo atrás de expectativas quanto ao aumento da produtividade. As motivações das empresas não variam muito com a respectiva dimensão.
Os sistemas de qualidade têm vindo a ser implantados com diversos
âmbitos. Conforme se pode verificar no Quadro 3, a maioria dos casos
enquadra-se na Garantia de Qualidade (46%), mas surgem também diversas
empresas que indicam o caminho da Gestão da Qualidade Total (34%).
Outras limitam-se ao Controlo de Qualidade (20%). Note-se que os sistemas
dirigidos ao mero controlo de qualidade já não constituem
o objectivo de nenhuma das empresas de maior dimensão que responderam
ao inquérito.
Quadro 3: Âmbito do Sistema de Qualidade
As empresas que já dispõem de sistemas de qualidade ou estão a implantá-los, foram questionadas no que respeita aos recursos humanos empregues no processo. Verificou-se que 71% não recorreu à utilização de consultores, tendo utilizado exclusivamente pessoal próprio.
Em muitos casos, foram admitidos novos trabalhadores para a implementação do sistema de qualidade (49%), embora em 25% dessas empresas se tenham feito apenas admissões temporárias. As novas admissões ocorreram, principalmente, no grupo das grandes empresas, que em simultâneo foram as principais utilizadoras de consultores.
A questão da relação custo / benefício obtida pela implementação dos sistemas de qualidade foi posta às empresas que já dispunham ou estavam a implantar esses sistemas. De entre estas empresas, apenas 37% referiram terem os ganhos superado os custos. No entanto pensa-se que esta pergunta terá sido ainda algo prematura, já que, como se viu atrás, são bastante mais numerosos os sistemas ainda em curso de implantação do que aqueles já operacionais. Refira-se que 55% das empresas empenhadas em sistemas de qualidade, ou que os planeiam, indicaram um prazo de um a dois anos como necessário para a organização do sistema de qualidade, com 38% a indicarem prazos superiores a dois anos, o que ilustra a morosidade do processo.
Dos dados disponíveis, ao presente, não se evidencia qualquer relação entre o âmbito do sistema de qualidade e os benefícios dele obtidos. Um amadurecimento destes sistemas poderá vir a clarificar a situação.
Em relação às origens de 'não qualidade' na sua actividade, as empresas destacaram os problemas ao nível do projecto, tanto antes como após a implementação de sistemas de qualidade.
Como se patenteia na Figura 3, outras causas para a não qualidade incluíram, em ordem decrescente:
Por outro lado, era à partida conhecido que nenhuma das empresas
inquiridas se encontrava certificada, apesar de alguns processos estarem
em curso. Como se pode ver no Quadro 47, regista-se uma forte
tendência para a certificação entre as empresas de
grande e média dimensão, embora o número de empresas
que prepara essa certificação seja ultrapassado por aquelas
que apenas a planeiam.
Quadro 4: Situação das Empresas Perante a Certificação
Outro número interessante, revelado pelo inquérito, diz respeito às empresas que tendo ou estando a implementar sistemas de qualidade não tencionam certificar-se, ou seja 32% destas.
Verifica-se que são as empresas que encaram os sistemas no âmbito
da garantia de qualidade, as que em maior número se encontram a
organizar a certificação, sendo reduzido o interesse pela
certificação entre as que se interessam apenas pelo controlo
de qualidade (vide Quadro 5).
Quadro 5: Âmbito do Sistema vs. Certificação
A relevância da certificação como instrumento de marketing foi mencionada por 95% das empresas, tendo 81% também considerado que a qualidade do serviço prestado ao cliente seria melhorada através da certificação. A melhoria da eficácia e eficiência através da certificação foi indicada por 80% das empresas, sendo que 79% a consideraram motivadora para os trabalhadores. Apesar disto, apenas 66% das empresas consideraram a certificação segundo as normas ISO 9000 adequada ao sector da construção.
No entanto, será de mencionar que a totalidade das empresas com sistemas de qualidade mais amadurecidos (mais de três anos) consideraram a certificação inadequada à indústria da construção. Apesar disso, metade dessas empresas planeia certificar-se, apontando como motivo a obtenção de vantagem competitiva no mercado.
Por outro lado, 61% das respostas apontaram para custos demasiado elevados na obtenção da certificação. O grande peso burocrático da certificação foi salientado por 59% das empresas. A resistência interna e conflitos na empresa, assim como a perda de competitividade durante o processo de implantação do sistema de qualidade, foram referidos por 36 e 25% das empresas, respectivamente.
As empresas empenhadas em sistemas de qualidade, ou planeando a sua implantação, indicaram também elevadas preocupações ao nível da segurança nos estaleiros. Embora se possa questionar o significado atribuido por cada empresa a um sistema de gestão de segurança, mais de metade (53%) afirmaram possuir já estes sistemas implantados, tendo ainda 29% das empresas planeado a sua implantação para os próximos dois anos. Mais uma vez, são as empresas de maior dimensão as mais avançadas neste campo (71% referem dispor de sistemas de gestão de segurança).
Por fim, releve-se a importância que as empresas empenhadas na qualidade conferem à participação dos seus recursos humanos no desenvolvimento dos sistemas de qualidade.
A maioria das empresas (62%) optou pelo envolvimento de todos os seus
trabalhadores na implementação destes sistemas, como se observa
no Quadro 6. Um tal processo não será isento de dificuldades,
dadas as características da mão-de-obra do sector.
Quadro 6: Envolvimento dos Trabalhadores no Sistema de Qualidade
Os resultados acima apresentados, reflectem a posição das empresas de construção perante a qualidade, à data de realização do inquérito (início de 1995).
As informações e opiniões recolhidas junto de diversos intervenientes no mercado da construção denotam um cenário em rápida evolução, com um cada vez maior relevo conferido à qualidade, mesmo a curto prazo.
O inquérito realizado às empresas de construção veio confirmar que, em Portugal, o reconhecimento desta necessidade se tem alargado nos últimos anos. Assim, começam a materializar-se sistemas de qualidade, alguns já em pleno funcionamento ou ainda em fase de implantação. Adicionalmente, um grande número de empresas planeia a implantação destes sistemas, para o futuro próximo. A maioria das empresas com sistemas de qualidade já implantados considera que os seus benefícios não superaram ainda os custos, talvez pela sua imaturidade.
Este movimento no sentido de implantar sistemas de qualidade, surge baseado principalmente na intenção de obter vantagens competitivas no mercado. Verifica-se, no entanto, que uma boa parte das empresas não tenciona recorrer a sistemas de qualidade formais, particularmente as de menor dimensão.
Entre as empresas empenhadas na qualidade, constata-se uma forte tendência para a obtenção da certificação dos seus sistemas. As empresas encaram a certificação, em primeiro lugar, como um factor de marketing junto do cliente. No entanto, aquelas que há mais tempo dispõem de sistemas de qualidade, são as mais cépticas quanto à adequação das normas ISO 9000 e da certificação ao sector da construção.
De qualquer modo, esta atitude não está isenta de dúvidas quanto à valia da certificação em áreas como os custos, a burocracia ou, em última análise, a adequação à construção.
Ora, a certificação constitui uma das formas de mobilizar as empresas para a criação e manutenção de sistemas de qualidade.
Registe-se, no entanto, que estes sistemas não se esgotam na certificação. Ao providenciar um meio de ver os esforços de qualidade da empresa reconhecidos no exterior, a certificação deve sobretudo visar a promoção da qualidade a nível interno.
A obtenção da certificação deverá ser encarada como um objectivo inicial válido, mas sem constituir um fim em si mesma. Um sistema de qualidade cuja principal finalidade é, ou aparenta ser, satisfazer os requisitos de uma terceira parte não será absolutamente eficaz na promoção dos objectivos da empresa. Se aqueles que operam o sistema, concluírem que ele existe fundamentalmente para satisfazer auditores externos, então podem falhar nas questões de real importância, concentrando-se meramente na aparência do sistema de qualidade.
Por outro lado, se os benefícios da certificação justificam os custos envolvidos, é uma questão que poderá apenas ser decidida por cada empresa individualmente, à luz das suas próprias circunstâncias comerciais.
Alcançar a certificação constitui um processo difícil, que consome tempo e recursos. É compreensível, assim, que algumas empresas possam encarar a certificação como a meta final nos seus esforços de implementação de um sistema de gestão da qualidade.
Apesar disto, a certificação demonstra, simplesmente, que um auditor independente (externo) avaliou o sistema de qualidade da empresa e o considerou conforme com as exigências de determinada norma. Se uma empresa pretender alcançar a totalidade dos benefícios da gestão da qualidade, então deverá ir mais longe, considerando em particular:
A certificação deverá exprimir que os sistemas necessários para alcançar estes objectivos se encontram implantados, mas a percepção da totalidade do potencial da empresa requer mais do que sistemas. Requer empenho e participação de todos os trabalhadores e a formação destes para um envolvimento adequado. Requer, ainda, meios para avaliar e acompanhar o que acontece no seio da empresa, e um ambiente em que exista melhoria contínua.
Tem que haver um reconhecimento de que a qualidade deverá apontar
não apenas para a satisfação dos clientes, mas abarcar
também o pessoal e todos aqueles que são afectados pela actividade
da empresa, por exemplo através do seu impacto na sociedade e no
ambiente. Deve igualmente ser integrada com outros sistemas de gestão
(e.g. segurança e ambiente).
Figura 4: Integração dos Sistemas de Gestão
Crê-se que tal mudança de atitudes irá caracterizar este período de mudança de século, e se o século XX se caracterizou pela ênfase da Produtividade, o XXI será o século da Qualidade, da Segurança e do Ambiente.
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Notas de Rodapé
1 Sociedades anónimas e por quotas.
2 Empreiteiros gerais, empreiteiros de especialidades e promotores-contrutores.
3 Valores referentes a 1993.
4 Estas são também empresas de grande dimensão em termos de quadros de pessoal, empregando 88% delas mais de 500 trabalhadores.
5 63% das empresas deste grupo têm volume de negócios inferior a 10 000 contos.
6 Crê-se que para a totalidade da população este valor será superior, em função das considerações já feitas quanto à representatividade das pequenas empresas.
7Lembre-se que as empresas que não planeiam a implantação
de sistemas de qualidade foram excluídas desta análise.
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